Em 1517 o Papa
Leão X teria oferecido indulgências para aqueles que dessem esmolas para
reconstruir a Basílica de São Pedro em Roma. O agressivo marketing de Johann
Tetzel em promover esta causa provocou Martinho
Lutero a escrever as suas 95 Teses. Não
se pode esquecer que Lutero era, além de padre, professor e teólogo. Antes ele
havia ido a Roma e lá viu coisas que muito lhe desagradaram. Embora Lutero não
negasse o direito do Papa ou da Igreja de conceder perdões e penitências, ele
não acreditava que dar esmolas seria uma boa ação, mas um ato semelhante à compra
das indulgências e o perdão das penas temporais.
Na doutrina católica Indulgência (do latim indulgentia,
que provém de indulgeo, "para ser gentil") é o perdão fora
dos sacramentos,
total ou parcial, "da pena temporal devida, para a justiça de Deus, pelos pecados que
foram perdoados”, ou seja, do mal causado como conseqüência do pecado já
perdoado, "a remissão é concedida pela Igreja Católica no exercício
do poder das chaves, por meio da aplicação dos
superabundantes méritos de Cristo e dos santos, por algum
motivo justo e razoável." Embora "no sacramento da Penitência a culpa do
pecado seja removida, e com ele o castigo eterno devido aos pecados
mortais, ainda permanece a pena temporal exigida pela Justiça Divina, e
essa exigência deve ser cumprida na vida presente ou no mundo vindouro, isto é,
no Purgatório. Uma indulgência oferece ao pecador penitente
meios para cumprir esta dívida durante sua vida na terra", reparando o mal
que teria sido cometido pelo pecado.
Nós, evangélicos, entendemos
que o pecado só pode ser perdoado por Deus, através do sacrifício de Cristo na
cruz e, desde que o pecador se arrependa e peça perdão a Ele, e tenha dentro de
si o firme propósito de não pecar mais. No entanto as conseqüências do pecado
não podem ser apagadas, ou seja, acontecem aqui mesmo, em vida, na terra (como
exemplo bíblico pode-se ver o que aconteceu com o rei Davi).
As “95 Teses” de Lutero foram
afixadas na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg em 31 de outubro de 1517.
Na verdade, isso era um modo costumeiro de se anunciar uma “disputa” ou “justa
teológica” entre os doutores de Wittenberg. Portanto, não se tratava de uma
ação que deveria ter uma conotação individual, visto que
as disputas eram debates que envolviam professores e estudantes. Isso
explica o fato de Lutero pedir para aqueles que não pudessem se fazer presentes
à disputa que, ao menos, enviassem as suas opiniões por escrito para
serem lidas. Afinal, segundo as regras da eloquência, as “teses” deveriam ser
vistas como “pontos a serem debatidos” em uma plenária de doutos.
Nesse sentido, tudo não passou
de um ato público envolvendo os doutores e/ou seus estudantes, como demonstra o
fato de as teses terem sido escritas originalmente em latim e não em alemão
(língua familiar de Lutero). Observa-se também que; o tom irônico e certa
preocupação com a métrica e a rima fazem parte do ritual de “belo discurso”
(arte da retórica) – conhecimento obrigatório nas universidades de teologia e
direito da época de Lutero. Portanto, ao lançar as suas “95 Teses”,
Lutero tornava públicas (mas não populares) as suas idéias, com
a finalidade de expor aos doutores algumas questões que o incomodavam a
respeito das “vendas de perdão/indulgências”, cujas contradições práticas e
doutrinais, somadas à corrupção de determinados setores do clero, eram vistas
por ele como uma ameaça à credibilidade da fé cristã e da Igreja de Roma. Isso
significa que, ao tornar públicas as suas teses, Lutero esperava receber o
apoio do papa, em vez de sua censura. No entanto, depois de novas disputas
teológicas, desta vez com agentes enviados pelo Papa Leão X
(1475-1521; pontificado: de 1513-1521), foi redigida contra Lutero uma
carta de excomunhão datada em 21 de janeiro de 1521, que ele receberia meses
depois.
Entre 1517 e 1521, Lutero fora
submetido a algumas disputas teológicas – e quase metade de suas teses foi
refutada pelos doutos do papa. Aos poucos, a situação fugiu dos muros da
universidade, e muitas idéias de Lutero foram convenientemente distorcidas por
membros da nobreza alemã, que utilizaram a “desculpa da fé” para tomar bens e
terras de famílias inimigas e da própria Igreja. Imprevisivelmente, toda esta
situação foi consolidando uma atmosfera de cisma religioso na Europa, que
estava longe das intenções de Lutero. Portanto, deve-se entender que a ação de
Lutero misturou-se involuntariamente com interesses políticos e com outras
tendências do debate teológico e da cultura religiosa que remontavam ao século
XIII.
CRONOLOGIA:
1483, em 10 de
novembro: Nasceu, na Alemanha, Martinho Lutero.
1509: Nasceu João Calvino
em 10 de julho. Henrique VIII (1491-1547) torna-se rei da Inglaterra.
1517, em 31 de outubro:
Lutero fixa as suas “95 Teses” na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg.
1518: Lutero recusa-se a
retratar-se perante o papa Leão X (1475-1521; pontificado: 1513-1521).
1520, em junho: Leão X
condena 41 proposições de Lutero.
1521, 21 de janeiro: Leão X
excomunga Lutero, mas passam-se vários meses até a ordem de excomunhão chegar à
Alemanha.
1522: Lutero publica a sua
advertência contra os distúrbios e publica a tradução do grego para o alemão do
Novo Testamento, com gravuras de Lucas Cranach (1472-1553).
1523: Lutero publica texto que
fala do direito de a comunidade de fiéis julgar toda a doutrina e nomear e
demitir clérigos.
1524-1525: Revolta camponesa
liderada por Thomas Müntzer (1490-1525).
1525: Lutero publica texto
contra os “profetas sagrados” e contra as “revoltas camponesas”.
1528: Mandato imperial ameaça
de morte os anabatistas.
1530: Carlos V (1500-1558) –
rei de Espanha desde 1516 e eleito imperador Habsburgo desde 1519 – fracassa em
impor uma ortodoxia religiosa ao império.
1534: Ruptura de Henrique VIII
da Inglaterra com Roma, supressão dos monastérios e com-cessão de permissão
para os padres se casarem. Na Alemanha, Lutero publica a tradução do hebreu
para o alemão do Velho Testamento.
1534-1535: Anabatistas tomam o
poder em Münster, mas seu “reino” é derrubado pela coligação de forças
católicas e protestantes.
1536: Surge a primeira edição
de “Instituições da Religião Cristã”, de João Calvino. Ocorre também a
introdução da bíblia vernacular na Inglaterra.
1542: Calvino organiza o seu
catecismo em Genebra.
1544: Calvino admoesta os
anabatistas.
1545, em 13 de dezembro: Começa
o Concílio de Trento.
1546, em 18 de fevereiro: Morre
Lutero.
1547: Eduardo VI (1537-1553)
assume o trono na Inglaterra e demonstra forte tendência calvinista.
1549: Eduardo VI lança o livro
de pregações e pretende forçar a uniformidade religiosa em torno da fé
reformada na Inglaterra.
1553: Morre Eduardo VI e sua
irmã mais velha, Maria I (1516-1558), pretende o retorno da Inglaterra ao
Catolicismo.
1558: Morre Carlos V da Espanha
e Maria I da Inglaterra. Elizabeth (1533-1603) assume o trono da Inglaterra e
tenta restaurar o anglicanismo de seu pai, Henrique VIII, o que significava
evitar os extremos puritanos (Eduardo VI) e católicos (Maria I).
1560, em março: Fracasso de uma
conspiração de jovens aristocratas huguenotes(1) contra a Casa Católica do
Duque de Guise na França. Primeiro édito de tolerância é publicado.
1561, de setembro a novembro:
Colóquio de Poissy, mas fracassa a tentativa de restaurar a unidade entre
huguenotes e católicos na França.
1562, em março: Massacre dos
huguenotes em Vassy comandada pela Casa Católica de Guise. Primeira Guerra
Civil Religiosa na França.
1563: Em março, Catarina de
Médicis (1519-1589; regente: de 1560-1574) tenta por fim à guerra civil
francesa com a assinatura da Paz de Amboise, que concede certo grau de
tolerância para os huguenotes. Neste mesmo ano, encerra-se o Concílio de
Trento.
1564: em 27 de maio: Morre João
Calvino. Théodore de Béze (1519-1605) sucede Calvino como líder da reforma
protestante centrada em Genebra.
1572: 23-24 de agosto:
Noite do Massacre de São Bartolomeu em Paris.
1598: Publicação do Édito de
Nantes (2).
1685: Revogação do Édito de
Nantes.
(1)
Huguenote é a denominação dada aos protestantes (calvinistas franceses)
pelos seus inimigos nos séculos XVI e XVII.
O antagonismo entre católicos e protestantes resultou nas guerras religiosas, que dilaceraram a
França do século XVI.
(2) O Édito
de Nantes, promulgado pelo rei francês Henrique IV em 13 de abril de 1598,
concedeu, ainda que de maneira limitada, direitos religiosos, civis e políticos
aos protestantes da França, os huguenotes, que vinham sendo duramente
reprimidos pelas autoridades seculares e eclesiásticas daquele país.
As 95 Teses de Martinho
Lutero (traduzidas do latim para o português):
Com um desejo ardente de trazer
a verdade à luz, as seguintes teses serão defendidas em Wittenberg, sob a
presidência do Rev. Frei Martinho Lutero, Mestre de Artes, Mestre de Sagrada
Teologia e Professor oficial da mesma. Ele, portanto, pede que todos os que não
puderem estar presentes e disputar com ele verbalmente, façam-no por escrito.
Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
01
|
Ao dizer: "Fazei
penitência", etc. [Mt 4.17], o nosso Senhor e Mestre, Jesus Cristo quis
que toda a vida dos fiéis fosse penitência.
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02
|
Esta penitência não pode ser
entendida como penitência sacramental (isto é, da confissão e satisfação
celebrada pelo ministério dos sacerdotes).
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03
|
No entanto, ela não se refere
apenas a uma penitência interior; sim, a penitência interior seria nula se,
externamente, não produzisse toda sorte de mortificação da carne.
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04
|
Por conseqüência, a pena
perdura enquanto persiste o ódio de si mesmo (isto é a verdadeira penitência
interior), ou seja, até a entrada do reino dos céus.
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05
|
O papa não quer nem pode
dispensar de quaisquer penas senão daquelas que impôs por decisão própria ou
dos cânones.
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06
|
O papa não tem o poder de
perdoar culpa a não ser declarando ou confirmando que ela foi perdoada por
Deus; ou, certamente, perdoados os casos que lhe são reservados. Se ele
deixasse de observar essas limitações, a culpa permaneceria.
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07
|
Deus não perdoa a culpa de
qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em tudo humilhada, ao
sacerdote, seu vigário.
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08
|
Os cânones penitenciais são
impostos apenas aos vivos; segundo os mesmos cânones, nada deve ser imposto
aos moribundos.
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09
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Por isso, o Espírito Santo
nos beneficia através do papa quando este, em seus decretos, sempre exclui a
circunstância da morte e da necessidade.
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10
|
Agem mal e sem conhecimento
de causa aqueles sacerdotes que reservam aos moribundos penitências canônicas
para o purgatório.
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11
|
Essa cizânia de transformar a
pena canônica em pena do purgatório parece ter sido semeada enquanto os
bispos certamente dormiam.
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12
|
Antigamente se impunham as
penas canônicas não depois, mas antes da absolvição, como verificação da
verdadeira contrição.
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13
|
Através da morte, os
moribundos pagam tudo e já estão mortos para as leis canônicas, tendo, por
direito, isenção das mesmas.
|
14
|
Saúde ou amor imperfeito no
moribundo necessariamente traz consigo grande temor, e tanto mais quanto
menor for o amor.
|
15
|
Este temor e horror por si
sós já bastam (para não falar de outras coisas) para produzir a pena do
purgatório, uma vez que estão próximos do horror do desespero.
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16
|
Inferno, purgatório e céu
parecem diferir da mesma forma que o desespero, o semi-desespero e a
segurança.
|
17
|
Parece necessário, para as
almas no purgatório, que o horror devesse diminuir à medida que o amor
crescesse.
|
18
|
Parece não ter sido provado,
nem por meio de argumentos racionais nem da Escritura, que elas se encontrem
fora do estado de mérito ou de crescimento no amor.
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19
|
Também parece não ter sido
provado que as almas no purgatório estejam certas de sua bem-aventurança, ao
menos não todas, mesmo que nós, de nossa parte, tenhamos plena certeza disso.
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20
|
Portanto, por remissão plena
de todas as penas, o papa não entende simplesmente todas, mas somente aquelas
que ele mesmo impôs.
|
21
|
Erram, portanto, os
pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena
e salva pelas indulgências do papa.
|
22
|
Com efeito, ele não dispensa
as almas no purgatório de uma única pena que, segundo os cânones, elas
deveriam ter pago nesta vida.
|
23
|
Se é que se pode dar algum
perdão de todas as penas a alguém, ele, certamente, só é dado aos mais
perfeitos, isto é, pouquíssimos.
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24
|
Por isso, a maior parte do
povo está sendo necessariamente ludibriada por essa magnífica e indistinta
promessa de absolvição da pena.
|
25
|
O mesmo poder que o papa tem
sobre o purgatório de modo geral, qualquer bispo e cura tem em sua diocese e
paróquia em particular.
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26
|
O papa faz muito bem ao dar
remissão às almas não pelo poder das chaves (que ele não tem), mas por meio
de intercessão.
|
27
|
Pregam doutrina mundana os
que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá
voando [do purgatório para o céu].
|
28
|
Certo é que, ao tilintar a
moeda na caixa,
pode aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende
apenas da vontade de Deus.
|
29
|
E quem é que sabe se todas as
almas no purgatório querem ser resgatadas, como na história contada a
respeito de São Severino e São Pascoal?
|
30
|
Ninguém tem certeza da
veracidade de sua contrição, muito menos de haver conseguido plena remissão.
|
31
|
Tão raro como quem é
penitente de verdade é quem adquire autenticamente as indulgências, ou seja,
é raríssimo.
|
32
|
Serão condenados em
eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se julgam seguros de sua
salvação através de carta de indulgência.
|
33
|
Deve-se ter muita cautela com
aqueles que dizem serem as indulgências do papa aquela inestimável dádiva de
Deus através da qual a pessoa é reconciliada com Ele.
|
34
|
Pois aquelas graças das
indulgências se referem somente às penas de satisfação sacramental,
determinadas por seres humanos.
|
35
|
Os que ensinam que a
contrição não é necessária para obter redenção ou indulgência, estão pregando
doutrinas incompatíveis com o cristão.
|
36
|
Qualquer cristão que está
verdadeiramente contrito tem remissão plena tanto da pena como da culpa, que
são suas dívidas, mesmo sem uma carta de indulgência.
|
37
|
Qualquer cristão verdadeiro,
vivo ou morto, participa de todos os benefícios de Cristo e da Igreja, que
são dons de Deus, mesmo sem carta de indulgência.
|
38
|
Contudo, o perdão distribuído
pelo papa não deve ser desprezado, pois – como disse – é uma declaração da
remissão divina
|
39
|
Até mesmo para os mais doutos
teólogos é dificílimo exaltar simultaneamente perante o povo a liberalidade
de indulgências e a verdadeira contrição.
|
40
|
A verdadeira contrição
procura e ama as penas, ao passo que a abundância das indulgências as af
rouxa e faz odiá-las, ou pelo menos dá ocasião para tanto.
|
41
|
Deve-se pregar com muita
cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o povo não as julgue
erroneamente como preferíveis às demais boas obras do amor.
|
42
|
Deve-se ensinar aos cristãos
que não é pensamento do papa que a compra de indulgências possa, de alguma
forma, ser comparada com as obras de misericórdia.
|
43
|
Deve-se ensinar aos cristãos
que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se
comprassem indulgências.
|
44
|
Ocorre que através da obra de
amor cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as
indulgências ela não se torna melhor, mas apenas mais livre da pena.
|
45
|
Deve-se ensinar aos cristãos
que quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém
para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus.
|
46
|
Deve-se ensinar aos cristãos
que, se não tiverem bens em abundância, devem conservar o que é necessário
para sua casa e de forma alguma desperdiçar dinheiro com indulgência.
|
47
|
Deve-se ensinar aos cristãos
que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.
|
48
|
Deve ser ensinado aos
cristãos que, ao conceder perdões, o papa tem mais desejo (assim como tem
mais necessidade) de oração devota em seu favor do que do dinheiro que se
está pronto a pagar.
|
49
|
Deve-se ensinar aos cristãos
que as indulgências do papa são úteis se não depositam sua confiança nelas,
porém, extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.
|
50
|
Deve-se ensinar aos cristãos
que, se o papa soubesse das exações dos pregadores de indulgências,
preferiria reduzir a cinzas a Basílica de S. Pedro a edificá-la com a pele, a
carne e os ossos de suas ovelhas.
|
51
|
Deve-se ensinar aos cristãos
que o papa estaria disposto – como é seu dever – a dar do seu dinheiro àqueles
muitos de quem alguns pregadores de indulgências extorquem ardilosamente o
dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro.
|
52
|
Vã é a confiança na salvação
por meio de cartas de indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o
próprio papa desse sua alma como garantia pelas mesmas.
|
53
|
São inimigos de Cristo e do
Papa aqueles que, por causa da pregação de indulgências, fazem calar por
inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas.
|
54
|
Ofende-se a palavra de Deus
quando, em um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do
que a ela.
|
55
|
A atitude do Papa
necessariamente é: se as indulgências (que são o menos importante) são
celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho
(que é o mais importante) deve ser anunciado com uma centena de sinos,
procissões e cerimônias
|
56
|
Os tesouros da Igreja, a
partir dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente
mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.
|
57
|
É evidente que eles,
certamente, não são de natureza temporal, visto que muitos pregadores não os
distribuem tão facilmente, mas apenas os ajuntam.
|
58
|
Eles tampouco são os
méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam, sem o papa, a graça
do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno do ser humano exterior.
|
59
|
S. Lourenço disse que os
pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra
como era usada em sua época.
|
60
|
É sem temeridade que dizemos
que as chaves da Igreja, que foram proporcionadas pelo mérito de Cristo,
constituem estes tesouros.
|
61
|
Pois está claro que, para a
remissão das penas e dos casos especiais, o poder do papa por si só é
suficiente.
|
62
|
O verdadeiro tesouro da
Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.
|
63
|
Mas este tesouro é certamente
o mais odiado, pois faz com que os primeiros sejam os últimos.
|
64
|
Em contrapartida, o tesouro
das indulgências é certamente o mais benquisto, pois faz dos últimos os
primeiros.
|
65
|
Portanto, os tesouros do
Evangelho são as redes com que outrora se pescavam homens possuidores de
riquezas.
|
66
|
Os tesouros das indulgências,
por sua vez, são as redes com que hoje se pesca a riqueza dos homens.
|
67
|
As indulgências apregoadas
pelos seus vendedores como as maiores graças realmente podem ser entendidas
como tais, na medida em que dão boa renda.
|
68
|
Entretanto, na verdade, elas
são as graças mais ínfimas em comparação com a graça de Deus e a piedade da
cruz.
|
69
|
Os bispos e curas têm a
obrigação de admitir com toda a reverência os comissários de indulgências
apostólicas.
|
70
|
Têm, porém, a obrigação ainda
maior de observar com os dois olhos e atentar com ambos os ouvidos para que
esses comissários não preguem os seus próprios sonhos em lugar do que lhes
foram incumbidos pelo papa.
|
71
|
Seja excomungado e
amaldiçoado quem falar contra a verdade das indulgências apostólicas.
|
72
|
Seja bendito, porém, quem
ficar alerta contra a devassidão e licenciosidade das palavras de um pregador
de indulgências.
|
73
|
Assim como o papa, com razão,
fulmina aqueles que, de qualquer forma, procuram defraudar o comércio de
indulgências,
|
74
|
muito mais deseja fulminar
aqueles que, a pretexto das indulgências, procuram fraudar a santa caridade e
verdade.
|
75
|
A opinião de que as
indulgências papais são tão eficazes a ponto de poderem absolver um homem
mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse possível, é
loucura.
|
76
|
Afirmamos, pelo contrário,
que as indulgências papais não podem anular sequer o menor dos pecados venais
no que se refere à sua culpa.
|
77
|
A afirmação de que nem mesmo
São Pedro, caso fosse o papa atualmente, poderia conceder maiores graças é
blasfêmia contra São Pedro e o Papa.
|
78
|
Dizemos contra isto que
qualquer papa, mesmo São Pedro, tem maiores graças que essas, a saber, o
Evangelho, as virtudes, as graças da administração (ou da cura), etc., como
está escrito em I. Coríntios XII.
|
79
|
É blasfêmia dizer que a cruz
com as armas do papa, insigneamente erguida, quivale à cruz de Cristo.
|
80
|
Terão que prestar contas os
bispos, curas e teólogos que permitem que semelhantes sermões sejam
difundidos entre o povo.
|
81
|
Essa licenciosa pregação de
indulgências faz com que não seja fácil nem para os homens doutos defender a
dignidade do papa contra calúnias ou questões, sem dúvida argutas, dos
leigos.
|
82
|
Por exemplo: Por que o papa
não esvazia o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema
necessidade das almas – o que seria a mais justa de todas as causas –, se
redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a
construção da basílica – que é uma causa tão insignificante?
|
83
|
Do mesmo modo: Por que se
mantêm as exéquias e os aniversários dos falecidos e por que ele não restitui
ou permite que se recebam de volta as doações efetuadas em favor deles, visto
que já não é justo orar pelos redimidos?
|
84
|
Do mesmo modo: Que nova
piedade de Deus e do papa é essa que, por causa do dinheiro, permite ao ímpio
e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus, mas não a redime por
causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta por amor gratuito?
|
85
|
Do mesmo modo: Por que os
cânones penitenciais – de fato e por desuso já há muito revogados e mortos –
ainda assim são redimidos com dinheiro, pela concessão de indulgências, como
se ainda estivessem em pleno vigor?
|
86
|
Do mesmo modo: Por que o
papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos ricos mais crassos, não constrói
com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de
fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?
|
87
|
Do mesmo modo: O que é que o
papa perdoa e concede àqueles que, pela contrição perfeita, têm direito à
plena remissão e participação?
|
88
|
Do mesmo modo: Que benefício
maior se poderia proporcionar à Igreja do que se o papa, assim como agora o
faz uma vez, da mesma forma concedesse essas remissões e participações cem
vezes ao dia a qualquer dos fiéis?
|
89
|
Já que, com as indulgências,
o papa procura mais a salvação das almas do que o dinheiro, por que suspende
as cartas e indulgências, outrora já concedidas, se elas são igualmente
eficazes?
|
90
|
Reprimir esses argumentos
muito perspicazes dos leigos somente pela força, sem refutá-los apresentando
razões, significa expor a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e fazer os
cristãos infelizes.
|
91
|
Se, portanto, as indulgências
fossem pregadas em conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas
essas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam
surgido.
|
92
|
Portanto, fora com todos
esses profetas que dizem ao povo de Cristo "Paz, paz!" sem que haja
paz!
|
93
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Que prosperem todos os
profetas que dizem ao povo de Cristo "Cruz! Cruz!" sem que haja
cruz!
|
94
|
Deve-se exortar os cristãos a
que se esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça, através das penas, da morte
e do inferno.
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95
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E que confiem entrar no céu
antes passando por muitas tribulações do que por meio da confiança da paz.
Adaptado a partir de um texto
de Alexander Martins Vianna (postado na internet)
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