terça-feira, 15 de março de 2016

Trecho do livro "Cristianismo puro e simples" de C. S. Lewis


Entre  os  judeus  surge,  de  repente,  um  homem  que  começa  a  falar  como  se  ele próprio  fosse  Deus.  Afirma  categoricamente  perdoar  os  pecados.  Afirma  existir  desde  sempre  e  diz  que  voltará  para julgar  o  mundo  no  fim  dos  tempos.  

Devemos  aqui  esclarecer  uma  coisa:  entre  os  panteístas,  como  os  indianos, qualquer  um  pode  dizer  que  é  uma  parte  de  Deus,  ou  é  uno  com  Deus,  e  não  há  nada  de  muito  estranho  nisso.  Esse homem,  porém,  sendo  um  judeu,  não  estava  se  referindo  a  esse  tipo  de  divindade.  Deus,  na  sua  língua,  significava um  ser  que  está  fora  do  mundo,  que  criou  o  mundo  e  é  infinitamente  diferente  de  tudo  o  que  criou.  

Quando  você entende  esse  fato,  percebe  que  as  coisas  ditas  por  esse  homem  foram,  simplesmente,  as  mais  chocantes  já pronunciadas  por  lábios  humanos. Há  um  elemento  do  que  ele  afirmava  que  tende  a  passar  despercebido,  pois  o  ouvimos  tantas  vezes  que  já  não percebemos  o  que  ele  de  fato  significa.  Refiro-me  ao  perdão  dos  pecados.  De  todos  os  pecados.  Ora,  a  menos  que  seja Deus  quem  o  afirme,  isso  soa  tão  absurdo  que  chega  a  ser  cômico.  

Compreendemos  que  um  homem  perdoe  as ofensas  cometidas  contra  ele  mesmo.  Você  pisa  no  meu  pé,  ou  rouba  meu  dinheiro,  e  eu  o  perdoo.  O  que  diríamos, no  entanto,  de  um  homem  que,  sem  ter  sido  pisado  ou  roubado,  anunciasse  o  perdão  dos  pisões  e  dos  roubos cometidos  contra  os  outros?  Presunção  asinina  é  a  descrição  mais  gentil  que  podemos  dar  da  sua  conduta.  Entretanto, foi  isso  o  que  Jesus  fez.  Anunciou  ao  povo  que  os  pecados  cometidos  estavam  perdoados,  e  fez  isso  sem  consultar  os que,  sem  dúvida  alguma,  haviam  sido  lesados  por  esses  pecados.  Sem  hesitar,  comportou-se  como  se  fosse  ele  a  parte interessada,  como  se  fosse  o  principal  ofendido.  

Isso  só  tem  sentido  se  ele  for  realmente  Deus,  cujas  leis  são  transgredidas  e  cujo  amor  é  ferido  a  cada  pecado  cometido.  Nos  lábios  de  qualquer  pessoa  que  não  Deus,  essas  palavras implicam  algo  que  só  posso  chamar  de  uma  imbecilidade  e  uma  vaidade  não  superadas  por  nenhum  outro personagem  da  história. No  entanto  (e  isto  é  estranho  e,  ao  mesmo  tempo,  significativo),  nem  mesmo  seus  inimigos,  quando  leem  os evangelhos,  costumam  ter  essa  impressão  de  imbecilidade  ou  vaidade.  Quanto  menos  os  leitores  sem  preconceitos. 

Cristo  afirma  ser  "humilde  e  manso",  e  acreditamos  nele,  sem  nos  dar  conta  de  que,  se  ele  fosse  somente  um  homem, a  humildade  e  a  mansidão  seriam  as  últimas  qualidades  que  poderíamos  atribuir  a  alguns  de  seus  ditos. Estou  tentando  impedir  que  alguém  repita  a  rematada  tolice  dita  por  muitos  a  seu  respeito:  "Estou  disposto  a aceitar  Jesus  como  um  grande  mestre  da  moral,  mas  não  aceito  a  sua  afirmação  de  ser  Deus."  Essa  é  a  única  coisa  que não  devemos  dizer.  

Um  homem  que  fosse  somente  um  homem  e  dissesse  as  coisas  que  Jesus  disse  não  seria  um grande  mestre  da  moral.  Seria  um  lunático  - no  mesmo  grau  de  alguém  que  pretendesse  ser  um  ovo  cozido  -  ou então  o  diabo  em  pessoa.  Faça  a  sua  escolha.  Ou  esse  homem  era,  e  é,  o  Filho  de  Deus,  ou  não  passa  de  um  louco  ou coisa  pior.  Você  pode  querer  calá-lo  por  ser  um  louco,  pode  cuspir  nele  e  matá-lo  como  a  um  demônio;  ou  pode prosternar-se  a  seus  pés  e  chamá-lo  de  Senhor  e  Deus.  Mas  que  ninguém  venha,  com  paternal  condescendência,  dizer que  ele  não  passava  de  um  grande  mestre  humano.  Ele  não  nos  deixou  essa  opção,  e  não  quis  deixá-la.